Bolsonaro no STF: placar 2 a 0 pela condenação; Moraes e Dino veem tentativa de golpe

Dois votos pela condenação logo na largada. É assim que começa, com placar parcial de 2 a 0, o julgamento no Supremo Tribunal Federal que mira Bolsonaro e mais sete acusados por tentativa de golpe de Estado. Até 9 de setembro, Alexandre de Moraes e Flávio Dino já haviam se posicionado pela culpa. A sessão segue, e cada ministro dá o seu voto em sequência.

O processo reúne peças colhidas pela Polícia Federal desde 2023, quando vieram à tona mensagens, rascunhos de decretos e relatos de reuniões que miravam reverter o resultado de 2022. A acusação afirma que houve um plano com etapas: deslegitimar a eleição, acionar militares, fabricar um ambiente de caos e, por fim, tentar dar base jurídica a uma intervenção. A defesa, por sua vez, rejeita a narrativa e diz que não houve ordem, nem ato concreto de ruptura.

O que está em jogo no STF

Os réus respondem por crimes da Lei do Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/2021), que substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional. Entre os tipos penais, estão golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Em casos assim, as penas previstas são de reclusão e podem ser altas, especialmente se a Corte entender que houve liderança, coordenação ou uso de estruturas públicas.

O voto de Moraes, relator de diversos inquéritos que cercam o 8 de janeiro, sustenta que o conjunto probatório é robusto: depoimentos homologados, laudos de perícia em celulares e computadores, mapas de conversas, além de documentos como a chamada “minuta” que aventava decretos de exceção. Dino acompanhou a linha, apontando ligação entre narrativa de fraude, pressão institucional e a explosão dos atos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília.

Do outro lado, a defesa de Bolsonaro costuma enfatizar quatro pontos: que o ex-presidente não convocou invasões nem depredação; que seus discursos estavam protegidos pela liberdade de expressão; que as tais minutas jamais foram assinadas ou publicadas; e que investigações misturam críticas políticas com crime. Advogados também falam em “perseguição” e alegam que não há nexo direto entre falas do ex-presidente e a violência do 8/1.

Como funciona a dinâmica do julgamento? O plenário analisa a denúncia, avalia as provas e, se formar maioria pela condenação, fixa as penas. Pode haver pedido de vista (quando um ministro pede mais tempo para estudar), o que congela o placar por semanas ou meses. Dependendo do desfecho, a defesa ainda pode apresentar recursos internos, como embargos de declaração, para discutir pontos específicos do acórdão.

Uma dúvida recorrente: terá efeito imediato? Em tese, sentenças do STF têm execução após a publicação e a conclusão da fase de recursos internos. O ritmo, porém, depende do calendário do plenário e de eventuais incidentes processuais. Em paralelo, não se descarta que a Corte imponha medidas acessórias, como pagamento de multas ou reparação de danos, caso entenda haver prejuízo ao patrimônio público ou à ordem institucional.

Contexto e próximos passos

Depois da eleição de 2022, o país viveu semanas de tensão. Bloqueios em estradas, acampamentos em quartéis e um discurso insistente de desconfiança no sistema eleitoral criaram o caldo de cultura para a crise que explodiu em 8 de janeiro de 2023, quando prédios dos Três Poderes foram depredados em Brasília. A partir dali, a PF abriu uma trilha de apurações que chegou a ex-assessores do Planalto, militares da ativa e da reserva e operadores políticos.

Um ponto de virada foi a operação Tempus Veritatis, deflagrada em fevereiro de 2024. Ela mirou o suposto núcleo que, segundo a investigação, funcionava como cérebro e músculo do plano: quem escrevia minutas, quem propagava a tese de fraude, quem articulava pressão sobre comandos militares e quem tentava dar verniz jurídico a medidas inconstitucionais. Em meio a isso, delações e quebras de sigilo forneceram material que hoje sustenta a acusação no Supremo.

É bom lembrar: Bolsonaro já foi declarado inelegível pelo TSE em 2023 num caso separado, por abuso de poder no episódio com embaixadores. Aquela decisão o tirou das urnas até 2030, mas não tratou de tentativa de golpe. O julgamento atual, no STF, foca outra frente: se houve ou não um esforço coordenado para impedir a posse do presidente eleito e subverter a ordem constitucional.

E como a política reage? No Congresso, a temperatura varia conforme o termômetro do plenário do Supremo. Partidos de oposição falam em criminalização da política e perseguição; governistas dizem que o Estado está reagindo, tardiamente, a uma ofensiva antidemocrática. Nos bastidores, líderes calculam o impacto de cada voto do STF no humor das ruas, na articulação legislativa e no xadrez de 2026.

O mercado acompanha de perto, não só por risco-país, mas pelo efeito institucional: decisões firmes do STF costumam reduzir incerteza; já paradas longas por pedidos de vista prolongam a nuvem. Para as Forças Armadas, o caso é sensível. A cúpula tenta fechar o capítulo 8/1 reforçando a mensagem de que a instituição não se confunde com eventuais desvios individuais de militares.

O que observar a partir de agora:

  • Se haverá pedido de vista e por quanto tempo o julgamento pode ficar suspenso.
  • O tom dos próximos votos: se reforçam a tese de organização hierárquica ou se fragmentam responsabilidades.
  • Eventuais medidas cautelares ou determinações de reparação financeira associadas à condenação.
  • A estratégia da defesa para recursos internos e, depois, para eventuais ações em cortes internacionais.

Em termos práticos, o placar de 2 a 0 não decide nada sozinho, mas define o ambiente. O relator e o primeiro voto que o acompanhou sinalizam a leitura dominante de parte do tribunal: houve plano, houve encadeamento de atos e houve tentativa de golpe. Resta ver se a maioria seguirá essa trilha ou se haverá dissenso com outro enquadramento penal.

Enquanto isso, o país revive um pedaço da sua história recente, com as imagens do 8 de janeiro em looping e com o STF no centro do palco. O desfecho não apaga o passado, mas pode redesenhar os limites do discurso político e o custo de atravessar a linha que separa protesto de ruptura institucional.

Por William